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domingo, 6 de junho de 2010

Tentativa de definição


Brancos fazendo a caça aos Negros durante as insurreições de Chicago em 1919.

Depois que as insurreições raciais agitaram as grandes cidades americanas em 1968, o sociólogo afro-americano Kenneth Clark declarou à comissão de Kerner reunida a pedido do presidente americano Lyndon Baines Johnson: « Eu leio este relatório de motins em Chicago de 1919 e é como se eu lesse o relatório da Comissão de investigação das desordens no Harlem de 1935, o relatório de investigação daquelas de 1943, o relatório da Comissão McCone sobre os motins em Watts. Eu devo sinceramente lhes dizer, membros da Comissão, que se acreditaria em “Alice no País das Maravilhas”, com o mesmo filme que nos é eternamente passado: mesma analisa, mesmas recomendações, mesma inação » [1].


Um exemplo de uma luta da rua

Esta intervenção já datada destaca três grandes características do que se chama « violência urbana »:

  • Sua antiguidade relativa, como nos Estados Unidos da América.
  • Sua irrupção esporádica em períodos e em cidades diferentes.
  • A incapacidade aparente das autoridades para compreendê-las, e assim combatê-las.

Se a primeira característica deve ajudar os historiadores a defini-la, elas parecem imperceptíveis no exame das duas outras, seu caráter eminentemente eruptivo e os supostos erros das autoridades públicas em procurar delimitá-las, circunscrevê-las, impedem finalmente de definir com precisão o problema. Para contornar a dificuldade de delimitação do objeto e evitar o longo prazo de análise, os autores fazem consequentemente recurso a uma definição limitada do fenômeno que corresponde somente à sua forma mais recente, aquela que examina as últimas décadas, menos, os últimos anos. Assim Sophie Body-Gendrot, afirma que o termo « violência urbana » indica « ações ligeiramente organizadas de jovens que agem coletivamente contra os bens e as pessoas, geralmente ligadas às instituições, em territórios desqualificados ou prejudicados” »[2]. É a definição que se pode reter sabendo bem que ela é restritiva, e que tende, por exemplo, a naturalizar as pesadas variáveis que pesam nos atores que agem com violência, notadamente a juventude, uma variável que não é que pouco questionada pelos especialistas. É entretanto uma definição eficaz no sentido que não se pode por razões de concisão, ter toda ação violenta perpetrada num quadro urbano ser considerada « uma violência urbana », mesmo se este deslizamento for às vezes necessário.

2. A cidade como lugar de interiorização e de repreensão da violência

2. 1. A interiorização da violência pela urbanização

A violência em geral cobre uma diversidade de comportamentos ou atos individuais, interpessoais ou mesmo coletivos. De uma época como de uma sociedade à outra, como recordado pelo filósofo Yves Michaud, as formas de violência empregadas e sua intensidade variam muito. Falaríamos hoje, por exemplo, de uma « violência na estrada » ou de uma « insegurança no trânsito ». Mas não é tudo, nossa sensibilidade a estas formas de violência mudou. [3] Segundo o autor, as normas aumentaram. Assim, comportamentos violentos passados outrora pelo silêncio como o mau trato infantil ou as violências conjugais são hoje denunciadas: a violência circulando na esfera familial é assim particularmente recente. Tudo isto explica, sempre segundo Yves Michaud, a extensão da incriminação no direito penal. Num mesmo movimento, o direito penal vê sempre mais a violência como não sendo necessariamente propriamente física: o que implica a atualização da noção de « vias de fato » à categoria mais antiga de « golpes e feridas ».

Para explicar a sensibilização maior quanto à violência, nós podemos recorrer à célebre teoria da « civilização das maneiras » segundo a qual o Ocidente teria conhecido a partir da Idade Média um longo processo de polissagem das maneiras: os conflitos que antes se exprimiam em afrontamentos sangrantes tenderam de mais em mais a serem interiorizados, por exemplo, via o esporte[4]. Segundo Norbert Elias, o promotor da dita teoria, esta evolução não é mais imputável a um simples crescimento do "self control", mas à sua generalização à todos os setores da vida pública ou privada sob impulsos de vários fatores tais quais a escolarização, a difusão dos códigos de corte e, enfim, a urbanização. A cidade é aqui reputada estar na origem da interiorização de sua violência pelo homem: a evolução no seio das massas a impôs mais retenção nos seus atos.

2. 2. A repreensão da violência às margens da cidade

Seguindo Nobert Elias, o historiador Jean-Claude Chesnais sublinhou por sua vez o declínio tendencial da violência nas sociedades modernas, estudou entretanto somente a violência própriamente física. [5]. Mas outros historiadores vieram a contradizer esta ideia após a publicação dos trabalhos do historiador americano Tedd Gurr, realizadas nos anos 1970-1980, e que interpretaram a violência em termo de privação: ela se desenvolveria quando a elevação das aspirações dos indivíduos não se acompanhava mais de uma melhora comparável de sua qualidade de vida. É o que teria acontecido com as sociedades ocidentais à partir dos anos 30, década na qual Ted Gurr observa uma reversão completa da tendência, isto é, um aumento agora durável da violência, do homicídio, da criminalidade, dos roubos ou da delinquência, seguindo uma curva em J. A tese de Ted Gurr é às vezes evocada pelo nome de « teoria da curva em J » por esta razão. Na França, segundo Sebastian Roché, esta escalada continua a se observar a partir da metade dos anos 50. Ela é independente, segundo ele, do contexto econômico : « A delinquência aumenta particularmente durante os anos de reconstrução e de prosperidade. Depois da metade dos anos 80, ela tende a se estagnar, e isto apesar do aumento do desemprego de longa duração e dos fenômenos de exclusão »[6]. Mesmo se este diagrama é ele-mesmo controverso, é importante tê-lo na cabeça durante o estudo das violências urbanas propriamente ditas, que apresentam uma evolução diferente.

Anteriormente, devemos nos recordar que um dos princípios da organização da cidade sempre foi pensado como o recuo da violência para fora de seus muros; em oposição à campanha ao redor, uma campanha considerada o lugar de todas as jaqueiras e pilhagens, uma campanha onde o movimento de pacificação ocorreu tardiamente[7], o que explica o êxodo rural maciço para « esta tênue luz libertária do anonimato » [8]das cidades, de acordo com a expressão da historiadora Elisabeth Claverie. É necessário ver contudo, que este anonimato é ambivalente porque também é uma condição de existência de todas as espécies de tráfegos quem podem finalmente contribuir para a violência da cidade.

Seja como for, como observa por exemplo Michel Foucault em "Vigiar e punir", os grandes complexos industriais europeus foram construídos na orla das cidades para prevenir as revoltas operárias. Do mesmo modo, nos Estados Unidos, os campus foram construídos fora das cidades para afastar a ameaça estudantil… As populações mais depauperadas em busca de trabalho instalaram-se também nos subúrbios. Ora, no inconsciente coletivo, o subúrbio continua por excelência o lugar à margem, aquele que acolheria marginais, bárbaros, em outros termos zulus, para retomar um vocábulo idôneo: a partir da Idade Média, o subúrbio é este espaço que se situa a uma milha da cidade e onde cessa o desterro, ou seja, o poder senhoril; este espaço para além do qual não se faz mais parte da Cidade e, por conseguinte da civilização[9]... As violências “urbanas” não são, por assim dizer, mais do que violências suburbanas; em todo caso, excluem-se da definição as violências perpetuadas no seio das manifestações que reivindicam quanto a elas logicamente uma maior visibilidade no centro da cidade: a violência se encontra no coração mesmo da cidade pelo fato que esta ultima é o centro do poder político a derrubar. Para o político, que é tentado a pensar a violência como contagiosa[10], esta aposta na segregação poderia finalmente ser feliz.

3. O recente reaparecimento da violência urbana

3. 1. O aparecimento da violência urbana e conexões


Um automóvel incendiado na França em 2005.

Apesar da repressão de todos os tempos, a cidade tem sido sempre palco de violência. Assim, em uma carta dirigida ao prefeito de Londres 1730, o escritor Daniel Defoe reclamava que « os cidadãos não mais se sentem seguros em suas próprias casas, nem sequer atravessando as ruas »[11]. As « violências urbanas » tal qual nós tivemos definido aparecem claramente nos Estados Unidos por volta dos anos 60, na França, no início dos anos 80. Na sequência destes incidentes, as violências urbanas serão regularmente perpetradas, mas em escala menor (como o vandalismo e, a partir dos anos 80, o hooliganismo por exemplo), tornando-se quotidiana e assumindo diferentes formas, tanto contra a propriedade quanto contra as pessoas, elas podem ser físicas ou simbólicas; erupções ocorrendo ocasionalmente como em 2005 por toda a França.

A violência urbana ocorre na maioria das sociedades modernas. No entanto, as manifestações como as causas da violência variam entre as sociedades, assim, é errôneo acreditar que a violência urbana que assistimos num determinado lugar seja apenas a transposição de situações de um outro espaço[12].

3. 2. As causas do aparecimento das violências urbanas

Se os focos de violência urbana são frequentemente desencadeado por rumores de abuso policial ou algum abuso de autoridade, as degradações e agressões cometidas geralmente por jovens no espaço da cidade apresentam varias causas cruzadas que muitas vezes tornam-se seus resultados numa série de círculos viciosos engrenando o empobrecimento:

  • Uma situação familiar crítica. Onde a liberação do controle parental sobre a juventude implica numa falta de vigilância e punição aos contravenantes da ordem e das regras da sociedade; a eficácia da fiscalização pelos vizinhos ou pela comunidade ou mesmo pela sociedade não remedeia que parcialmente esse problema.
  • A reprovação escolar, que pode ela mesmo decorrer da crise familiar. Assim, nos dias de hoje, a violência nas escolas é o rejeito mesmo da instituição, sobretudo pelos reprovados que reprovam as humilhações subidas. A comunhão de alunos em deficiência escolar com os outros implica a contaminação dessas deficiências e uma redução da qualidade no ensino em geral.

Apartamentos sociais em Singapura.
  • O desemprego, que se alimenta da falência da escola. Si ele pode engendrar a violência, esta o favorece em retorno, criando mecanismos de discriminação ao emprego ou, simplesmente, destruindo os bens que servem a criar o valor-agregado e, assim, os empregos.
  • O desenvolvimento de uma economia paralela, incluindo o tráfico de drogas e o comércio de mercadorias roubadas. A concorrência entre gangues ou organizações criminosas favoreceu a circulação de armas. É o caso, por exemplo, de Medellin, com taxa de 94 homicídios por 100 mil habitantes, a maior do mundo, onde os grupos La Galera, La Torre e 38 são facções inimigas [13].
  • O consumo da violência pela televisão ou jogo de vídeo.
  • A ausência de mobilidade geográfica dos mais demunidos. Ela tende à acentuar ao fio da partida dos mais fortunados uma cisão geográfica inelutável, eventualmente reforçada no dia à dia por um fraco serviço de transportes públicos. A exiguidade das moradias nas quais eles são condenados a viver (às vezes com uma família numerosa) empurram os jovens a tentar se apropriar do espaço público atenante, à procurar à controlar os grandes espaços monóicos como as ruas e os lugares de passagem estratégicas. Uma vez esses territórios conquistados, eles operam a uma verdadeira marcação, "tags" ou grafitagem por exemplo, mas também à um controle mais estrito, pela medida de pagamentos ilícitos de bens público ou privados, chamadas de « taxas », que é um termo de direito financeiro que faz referência ao monopólio estatal de cobrar impostos.
  • As práticas ditas desviantes como a toxicomania[14], pratica que necessita a instalação do tráfico pelo qual a proteção exige o recurso à violência.
  • A falta de influencia política[15] e a sub-mediatização[16], que força o recurso à violência para se fazer entender. A violência e a força não são então que um repertório de ações que procedem a avantaje de serem mobilizáveis a todo o momento.
  • Os conflitos religiosos, os refúgios comunitários (o anti-semitismo no islamismo, por exemplo)
  • A discriminação racial e as rivalidades éticas.

A estas explicações clássicas adicionam-se causas culturais[17]:

  • Uma crise da masculinidade, que esta ligada à mecanização do trabalho que desvalorizou a força física. Ela favorece as violências sexuais; violência e virilidade estão aqui associadas.
  • Nos países de imigração, o rompimento com os laços culturais e uma má integração ocasionada pela busca de reconhecimento e justiça são fatores de estímulo à violência. A desintegração de comunidades pode levar ao rompimento com a sociedade.

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